No último dia 23, um oficial de Justiça do Distrito Federal foi ameaçado por um homem após intimá-lo para uma audiência
O vídeo de um homem ameaçando um oficial de Justiça do Distrito Federal, no último dia 23, gerou revolta de moradores da capital, em especial de profissionais da categoria, que lidam diariamente com o risco de serem hostilizados por conta da função. Após o caso, associações de servidores se manifestaram repudiando as frequentes violências contra os oficiais.
De acordo com a Associação dos Oficiais de Justiça do DF (Aojus), há 521 oficiais de Justiça ativos no DF, atualmente. “E cada um deles tem histórias que envolvem risco”, ressalta a presidente da entidade, Laís Grillo Magalhães.
Cláudia Cardim, de 53 anos, é uma dessas profissionais. Ela é oficial de Justiça do DF há 29 anos e diz que já perdeu as contas de quantas vezes foi intimidada ao prestar seu serviço. Em uma ocasião, foi vítima de uma tentativa de atropelamento.
“Eu fui numa casa fazer busca e apreensão de um veículo e, inicialmente, a moça me atendeu bem. Pedi que ela tirasse os pertences pessoais de dentro do carro e ela entrou em casa. Achei que iria pegar a chave do carro, mas voltou com o namorado e ele já entrou no carro e tentou me atropelar”, narra.
“Foi tudo muito rápido. Quando vi a luz de ré engatada eu já pulei e conseguir sair. Se não, teria ocorrido uma tragédia”, lembra.
Segundo Cláudia, xingamentos e ameaças são frequentes. Ela acredita que faltam campanhas de conscientização para a população entender o trabalho de oficiais de Justiça. “Muita gente não entende que estamos prestando um serviço público. O Estado tem esse dever de informar o cidadão: ‘olha, você está sendo sendo processado por isso’. E esse é o nosso trabalho. Para qualquer tipo de ordem que o juiz dá tem de haver o trabalho do oficial para ela sair do papel”, reforça.
Cárcere privado
Ivan de Jesus Rodrigues Ferreira (foto em destaque), 46, é outro oficial de Justiça que passou por situação de violência durante o trabalho. Em janeiro de 2016, ele foi cumprir um mandado de penhora numa casa em Taguatinga, onde está lotado, e diz ter sido impedido de deixar o local pelo morador.
“Nessa vez, em 2016, sofri uma situação análoga a cárcere privado. Eu estava tentando intimar uma pessoa, mas nunca a encontrava em casa. Até que um dia estava passando por lá e vi o morador do lado de fora. Quando ele me viu, correu para dentro de casa. Pedi para ele voltar, disse que precisava conversar com ele e ele parou e ouviu tranquilamente”, relata.
Ivan, então, explicou o conteúdo do mandado e disse ao homem que precisava entrar na residência. “Aí, ele começou a aumentar o tom, dizendo que aquilo era um absurdo e fechou o portão comigo dentro. Percebi que ele estava nervoso e falei que iria sair para voltar em outro momento. Na verdade, eu iria procurar a polícia para retornar lá acompanhado, mas ele não me deixou sair.”
“Ele disse que não iria abrir o portão: ‘você não queria entrar? Agora vai entrar em casa’. Falou que se eu chamasse a polícia, sairia dali morto”, completa.
O momento de angústia durou cerca de 10 minutos, segundo o servidor. “Fiquei com muito medo, mas depois desse tempo nessa conversa ele me pegou pelo braço e me jogou para fora do portão”, conta.
Logo depois disso, Ivan voltou à residência já acompanhado de uma equipe policial. “Prossegui com o ato que eu tinha que fazer e, ao concluir, demos voz de prisão a ele por desacato, desobediência e constrangimento legal.”
“As pessoas deveriam entender que a gente está fazendo nosso papel. Às vezes, estamos levando um direito da pessoa comparecer a uma audiência para fazer a sua defesa em um processo.”
Pedradas, álcool e fósforo
Uma vez que os oficiais de Justiça trabalham em carro próprio e sozinhos, a insegurança pode ser grande. Depois de sofrer a primeira violência, em 2005, Mariluci Ossipe, 47 anos, passou a contratar segurança particular para acompanhá-la no dia a dia.
À época, ela foi em uma residência no Sol Nascente para retirar uma televisão que havia sido penhorada e diz que o morador mandou os filhos atiraram pedras contra seu carro. “Era só fazer essa remoção e entregar na mão do exequente. Só que o rapaz pediu para os filhos tacarem pedra no meu carro e ficou dizendo que tinha a minha placa. Fiquei com muito medo e foi quando registrei meu primeiro B.O.”, relembra.
Foi então que resolveu tirar do próprio bolso para trabalhar acompanhada de segurança particular. Porém, nem assim ficou livre de casos de agressão.
“Já tive um mandado de busca e apreensão de carro que cheguei lá, expliquei que estava representando o juiz da Vara Cível, que não era nada pessoal e estava cumprindo meu trabalho. A pessoa falou que ia buscar a chave do carro dentro de casa e voltou com álcool e fósforo. Na hora, pensei: ‘Morri queimada'”, revela.
Mariluci logo rasgou o mandado e pediu para o homem ficar tranquilo e abrir o portão que ela iria embora sem cumprir o serviço. “Mas ele não abria, falava que ia queimar a gente. Meu segurança ficou conversando com o homem, disse que ele seria preso e acabaria com a vida dele, foi acalmando”
Enquanto isso, a servidora conseguiu acionar a polícia, que foi ao local e a resgatou. No outro dia, ela voltou à casa acompanhada dos policiais e cumpriu a ordem.
Lotada no Paranoá, Mariluci atua como oficial há 19 anos e relata que a violência é constante. “Dá para escrever um livro com o tanto de coisa que a gente passa. O nosso pleito é antigo já, mas sempre escutamos do TJ (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) que o problema é falta de orçamento”, pontua.
Outra vontade de profissionais da categoria é de trabalhar em duplas, para garantir maior proteção. “Seria bom, já que não tem como sermos acompanhados pela polícia em todo caso”, acrescenta.
O que diz o TJDFT
O Metrópoles procurou o TJDFT e questionou sobre esses pedidos da categoria. Em nota, o tribunal respondeu:
“O TJDFT informa que presta integral apoio aos Oficiais de Justiça, não faltando recursos orçamentários para as medidas que se encontrem ao seu alcance e estejam na esfera de suas atribuições. Esclarece ainda que existe expressa autorização para que os Oficiais, nas diligências em locais de maior risco, requisitem o apoio das forças policiais, a quem incumbe tomar as providências necessárias a coibir situações de desacato e desobediência, garantindo a autoridade das decisões judiciais e a integridade física dos agentes públicos”.
Fonte: Metrópoles
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